quarta-feira, 2 de julho de 2008

Geração Streaming

Primeiro teve a geração do vinil, depois a do CD, a do MP3 e agora a da "streaming media", que cresce em torno de serviços como MySpace, MuxTape, Last.fm e iLike, que fornecem músicas para ouvir online, sem precisar baixar nada para o computador.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Orlando Fernandes e a ÁCSE Miusic


Orlando Fernandes passa o dia cantarolando. Solitário, a própria voz é sua única companhia enquanto se apronta para o trabalho. Entre um assobio e um gole de café, Orlando acomoda o fardamento na bolsa e o discman nos ouvidos. Comprado em 2004 na baixa dos sapateiros, o player é seu companheiro diário na portaria de um tradicional prédio onde trabalha em um tradicional bairro de Salvador. Mesmo já saindo "armado", CD no ponto e fones no ouvido, Orlando só aciona o amigo após a caminhada de 25 minutos até o fim de linha (para economizar uma passagem). Durante esse percurso é que ele aquece as cordas vocais e prepara o repertório que encanta as meninas da limpeza do residencial. Mesmo estando mudos, os fones atuam como um disfarce para Orlando (se relevarmos o seu tamanho exagerado); uma licença para elaborar suas criações musicais sem que outras pessoas saibam a verdadeira autoria de versos como “pelo beijo da sua boca” e “pelo cheiro do seu perfume”.

Sendo quase sempre o único a embarcar naquele horário da madrugada, Orlando não costuma encontrar empecilhos para sentar-se na cadeira de sempre: janela à direita e atrás dos assentos reservados. É sentado nela que encosta a cabeça para então encarar o trajeto de uma hora e 20 minutos até o trabalho. E é nesse percurso que Orlando integra a escuta de suas músicas preferidas à paisagem polifônica de Salvador. Percurso que oferece tempo suficiente para escutar pelo menos dois CDs de sua coleção, que já beira os 350. De uma forma ou de outra sabe que o avanço dos artefatos tecnológicos ligados ao consumo musical é essencial para que possa desfrutar um tipo de walkman effect, como diria Simon Frith. Mas mesmo sendo adepto da mobilidade musical e do hábito de selecionar e colecionar seus álbuns, Orlando Fernandes não se rendeu ao encanto dos Mp3 players. Além do apreço pelos títulos, Orlando se orgulha de conseguir manter um hábito praticamente esquecido pela classe-média: o de adquirir produtos musicais originais. Dos 350 títulos, apenas 56 são do mercado negro: ele acredita dessa forma colaborar com os grupos e cantores preferidos, a grande maioria artistas reconhecidos nas periferias, independentes e com circulação restrita. E todos, com exceção de alguns dos por ele considerados “clássicos”, são praticantes de arrasta-pé, baião, arrocha, axé, pagode romântico, ou simplesmente forró, como ele prefere rotular a todos.

Porteiro, cantor, colecionador solitário de títulos musicais. Nosso personagem se mostra mais complexo do que os preconceitos inerentes ao estereótipo podem sugerir. A relação familiar com a música e o crescimento marginal a um soundscape forrozístico sempre alimentou em Orlando a illusio de experienciar outras formas de filiação ao jogo. De uma forma ou de outra ele busca ampliar sua integração à cultura midiática musical. Ocupar simultaneamente a posição de ouvinte e performer: performatizar sua própria performance, seria uma das possibilidades. Orlando Fernandes não estava mais satisfeito apenas em, da portaria do residencial, embaralhar conjuntos formais de sua quase própria dicção ao vasto repertório lírico compartilhado por gêneros que bebem do brega a um saudoso axé. Desejava registrar suas composições em um artefato, e por alguns meses dispensou boa parte de seu salário na produção do petardo “As Românticas” – álbum com 15 faixas e que já possui um sucessor, com o sucesso “Ó o dique”, quem em breve receberá a devida divulgação neste espaço.

Para Orlando, reconhecer-se em sua própria criação significa mais do que o romantismo da expressão pode indicar. Provavelmente munido de uma consciência sobre os limites da abrangência de seu trabalho, nosso trovador não desejava um registro em CD apenas para sublimar a condição folk inicial de sua criação: a de uma música vinculada a um espaço de trabalho; música que independe de instrumentos musicais, ligada ao cotidiano apenas como apaziguadora da solidão laboral de um porteiro que passa doze horas sozinho em um guarda-corpo, para então voltar-se ao lar que também não divide com ninguém. Solidão que também é lembrada em seus cantos, através de lamentos a alguém que teima em não chegar. Não desejava isso apenas para transferir a propriedade de seu investimento afetivo com a música a outros que não a compreenderiam - independente do que com isso angariasse. Chegou a fazer uma sessão de fotos, tudo bem, e em breve serão aqui recuperadas, mas isso apenas faz incrementar o jogo.

Mas qual a importância em trazer à discussão a estória de um porteiro que, mesmo sem nunca ter feito aulas de canto, desprovido ainda de vocação para autodidata, tem como aspiração a gravação em CD de suas canções para deleite próprio, sem se importar por onde mais estas circularão? Pelo menos uma questão fica clara: a forma como valoramos e consumimos a música atualmente se enraíza em solos bem menos inóspitos do que a crítica e o mercado tendem a acreditar ou valorizar. E com certeza os artefatos tecnológicos de produção, gravação e reprodução musicais influenciam este processo. Se por um lado o avanço das novas tecnologias musicais facilita o acesso à gravação, por outro acaba também impulsionando a emergência de estúdios de gravação que levam demais ao pé da letra a expressão “feito em casa”. Curiosos são elevados a produtores musicais, e não é incomum escutar trabalhos que sempre levantam aquele sentimento de que algo está fora do lugar. Nesse ponto é importante ressaltar a importância da mixagem e da masterização, por exemplo, principalmente se levarmos em consideração que, atualmente, muito dos julgamentos de valor que fazemos sobre determinada obra se fundamenta sobre estes processos – são eles que indicam “com o que determinado som irá se parecer”.

A precariedade da gravação feita por Orlando Fernandes denuncia a falta de tato do “produtor”, que provavelmente levou em consideração o gosto musical do artista e seu cliente para “facilitar” o próprio lado, fazendo com que as músicas soassem quase como um registro caseiro de uma performance ao videokê. A predileção do nosso artista por ritmos vinculados ao forró não permitiu ao técnico de som de um estúdio semi-caseiro em cajazeiras perceber que seu lamento solitário-urbano-passional destoa um pouco das bases eletrônicas escolhidas. Mas Orlando não se preocupa com isso: acredita que sua música tem algo próprio, fruto de uma mistura que admite possuir estilo próprio, levantando a necessidade de um rótulo. Um rótulo que em sua oralidade soa como ÁCSI MIUSIC, mas que ainda carece de uma escritura.

E já que os gêneros só têm sua materialização efetivada no produto, abaixo o link para quatro canções de sucesso de Orlando Fernandes - que, no final das contas, são alguns dos poucos elementos não fabulados nesse post.

(Vale lembrar que o personagem e suas músicas são reais, assim como sua profissão e local de trabalho. No entanto, todas as outras informações adicionais foram inseridas para compor o objetivo principal do texto, que não é apresentar Orlando Fernandes, e sim discutir o consumo musical atualmente)

http://rapidshare.com/files/123242415/Orlando_Fernandes.zip

Seguidores

Visitantes (a partir de 23/12/2008)